--- date: "2022-10-08T00:00:00.000Z" lang: "pt" title: "Qual é a Causa da Incongruência de Gênero" linkTitle: "Causas de Disforia de Gênero" description: "São os hormônios, baby." preBody: '_aviso_doc_vivo' classes: - gdb tweets: - https://twitter.com/LisaTMullin/status/1224039568971710464 - https://twitter.com/LisaTMullin/status/1224040716365524993 - https://twitter.com/LisaTMullin/status/1224041800513380352 - https://twitter.com/LisaTMullin/status/1224041800513380352 - https://twitter.com/LisaTMullin/status/1224042620164296705 - https://twitter.com/LisaTMullin/status/1224043995413639168 - https://twitter.com/LisaTMullin/status/1224044949160611840 siblings: prev: /pt/tratamento prevCaption: Tratando Disforia de Gênero next: /pt/cromossomos nextCaption: Mas... mas... os cromossomos! --- # Qual é a Causa da Incongruência de Gênero? Para ser direta: Nós não sabemos, pelo menos não com certeza. Psicologia moderna e ciência provaram que **não** é causado pela criação/ambiente; ninguém *se torna* trans, a identidade de gênero é congenital, solidificando antes mesmo de sairmos do útero. E ela parece ser às vezes hereditária; genitores trans tem maior chance de term filhos trans e muitas vezes eles percebem isso em reverso. O filho sai do armário para o genitor e isso o ajuda a perceber que ele também pode sair do armário. Aqui está a ciência que se acredita influenciar a identidade de gênero. Isso não significa que isso *define* a identidade de gênero nem que isso encapsula o gênero de alguém já que tantos aspectos de gênero são culturais e sociais. Nada disso é prescritivo da identidade de uma pessoa, nada é escrito em pedra. Se você assistiu _Jurassic Park_, você talvez se lembre dessa cena: {!{ {{import '~/img' images.jurassicpark className="card borderless center span34" alt="Todos embriões de vertebrados são inerentemente fêmeas mesmo. Eles apenas precisam de um hormônio extra no estágio certo de desenvolvimento para fazê-los machos." caption="Isso não é ficção científica, embora seja muito simplificado." }} }!} {!{ }!} As gonadas em fetos humanos inicialmente se desenvolvem em um estado bi-potencial, significando que elas pode ser ovários ou testis. O gene SRY do cromossomo Y libera uma proteína chamada [Fator Determinante de Testis](https://en.wikipedia.org/wiki/Testis-determining_factor) (TDF). Essa proteína começa uma reação em cadeia com a produção de SOX9 (outra proteína) que causa as células gonadais a se formarem em células Sertoli e Leydig que formam os testis. Se TDF nunca for produzido ou sofre interferência, então as células gonadais formam células Theca e folículos que compondo os ovários. Uma vez formados, os testis então começam um pico de produção de testosterona que tipicamente começa na 8ª semana de gestação e continua até a 24ª semana. Esse pico, em [combinação com um outro hormônio da placenta](https://www.sciencedaily.com/releases/2019/02/190214153053.htm), é responsável pelo desenvolvimento do pênis e escroto. A formação dos genitais começa por volta da 9ª semana e se torna identificável por volta da 11ª semana. Se o pico não ocorrer, ou se o corpo não responder a ele (como no caso de Síndrome da Insensitividade Andrógena) então a genitália forma volva, vagina e útero. Se há uma interferência nesse processo então pode acabar com as partes erradas e isso é o resultado de muitas condições intersexo. Geralmente isso é um desenvolvimento parcial no qual a genitália externa apenas parcialmente se forma mas as gonadas funcionais ainda existem. Às vezes a criança nasce com genitália masculina ou feminina totalmente funcionais mas com gonada não correspondentes. Às vezes a proteína TDF falha em ser lançada e o feto cresce um sistema reprodutor feminino completo apesar da presença de um cromossomo Y. Isso é conhecido como Síndrome de Swyer e o número de mulheres com essa condição é desconhecido. Em 2015, uma [mulher XY com Síndrome Sweyer que nascem sem ovários](https://www.independent.co.uk/news/science/mostly-male-woman-gives-birth-to-twins-in-medical-miracle-10033528.html) engravidou exitosamente por fertilização _in vitro_. Geralmente Síndro Sewyer resulta em ovários completamente não-funcionais, mas [em 2008 uma mulher foi encontrada com Síndrome de Swyer](https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2190741/) que passou pela puberdade, menstruava normalmente, e teve duas gravidezes naturais. Sua condição só foi descoberta quando descobriram que sua filha também a tinha. O fato é, a vasta maioria da população nunca fez exames de cariótipo (exame para ver os cromossomos) então não sabemos quão comuns esses casos são. Onde isso afeta a identidade de gênero? Bem, os exatos mesmos processos que causam diferenciação nos genitais externos também ocorrem no cérebro. {!{
E isso fica bem mais esquisito! {{import '~/tweet' ids=[ '1224039568971710464' '1224040716365524993' '1224041800513380352' '1224042620164296705' '1224043995413639168' '1224044949160611840' ] tweets=meta.tweets className="oneblock hide-reply" }}
}!} #### Divisão Cerebral O cérebro pré-natal não começa realmente a se desenvolver até entre as 12ª e 24ª semanas. O córtex cerebral, a fina camada externa do cérebro que contém a maioria do que pensamos como a consciência, cresce substancialmente durante esse período de tempo. Antes disso, a estrutura presente é mais como um andaime: as partes básicas do sistema nervoso necessárias para o funcionamento do corpo. Os sulcos primários (as dobrinhas do córtex cerebral que permitem maior área de superfície) [começam a se formar na 14ª semana](https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2989000/#Sec5title), bem depois dos genitais serem formados. Já [foi confirmado múltiplas vezes](https://www.the-scientist.com/features/are-the-brains-of-transgender-people-different-from-those-of-cisgender-people-30027), por estudos de MRI (ressonância magnética), que há pequenas porém significantes diferenças entre cérebros de homens e mulheres cis, diferenças que alinham com as identidades de gênero de pessoas trans. Note, **isso não significa que todos com essas diferenças terão tal gênero** porque identidade de gênero não é tão simples, mas isso provê evidência de que há clara diferença cérebros masculinos e femininos. [Há também evidência](https://www.pnas.org/content/112/50/15468) de que cérebros podem ter combinações mosaicas que pode ser o caso em pessoas não-binárias. Uma mudança no nível de testosterona no feto após a 11ª semana pode diretamente impactar a masculinização do córtex cerebral bem como impactar as mudanças em outras partes da estrutura cerebral. Isso [foi examinado múltiplas vezes](https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4350266/) em estudos de pessoas designadas mulher ao nascer com HAC (hiperplasia adrenal congênita) e com SIAC (síndrome da insensibilidade androgênica completa).

Nós encontramos uma relação significativa entre testosterona fetal e diferenças por sexo no comportamento de meninas e meninos.

Testosterona Fetal Prediz Comportamento Sexualmente Diferenciado em Meninas e Meninos
Um excesso de testosterona no corpo da mãe durante o segundo trimestre pode e causa masculinização no cérebro de um feto externamente fêmea, e uma interferência na produção ou absorção de testosterona pode e causa feminização do cérebro em um feto externamente macho. Essa interferência não precisa ser externa em origem. Vários fatores genéticos podem fazer o cérebro responder diferentemente à testosterona. Um estudo decentemente grande de indivíduos trans publicado em 2018 [encontrou vários genes](https://academic.oup.com/jcem/article/104/2/390/5104458) estatisticamente mais provável de serem mais longos em mulheres trans (mais longo no sentido de ter mais fragmentos repetidos). Individualmente esses genes podem não ter um impacto forte o bastante para causar mal funcionamento da masculinização, mas em conjunto eles absolutamente podem reduzir a habilidade do cérebro fetal de masculinizar. Esses genes são passados de genitores à prole dando credibilidade a tendência de pais trans terem filhos trans. #### Gênero é biológico Infelizmente, a sociedade ocidental tem ativamente evitado um entendimento mais profundo de gênero. Civilizações antigas o entendiam bem, mas colonialismo as removeu do mapa. Cem anos atrás, [cientistas na Alemanha estavam ativamente estudando](https://en.wikipedia.org/wiki/Institut_f%C3%BCr_Sexualwissenschaft) medicina transgênera e fizeram extraordinários avanços , até os Nazistas queimarem tudo em 1933. Pressões conservadores e fascistas na era moderna tem obstado avanços em saúde trans sempre que possível. Ainda assim, progresso continua, a cada ano nós aprendemos um pouquinho mais. O que sabemos com certeza é que transgeneridade não é uma condição psicológica, não é algo causado por trauma ou qualquer influência externa, nada pode fazer uma pessoa transgênera. Isso acontece no útero, e não é algo que a pessoa pode escolher tal qual não pode escolher sua raça ou cor dos olhos. Isso não tem nada a ver com orientação sexual, isso não tem nada a ver com taras ou fetiches, e isso não tem nada a ver com influências de seus pais ou seus pares. [Crianças cisgêneras e transgêneras são igualmente firmes em suas identidades de gênero](https://www.forbes.com/sites/dawnstaceyennis/2020/12/29/study-transgender-children-recognize-their-authentic-gender-at-early-age-just-like-other-kids/#20bbb14526bf).